I. A dor da vida
Acorda com a cabeça pesada e o corpo cansado,
Senta na beirada da cama pra pôr as ideias no lugar.
Levanta devagar e calça os chinelos,
Vai tropeçando até o banheiro,
Se olha no espelho.
Pelo que podia enxergar:
Cabelos desgrenhados,
Rosto amassado,
Inchado e feio.
Talvez fosse menos doloroso se não pudesse vê-lo.
Reprime um choro.
Escova os dentes e sai dali rapidamente.
Na cozinha seu reflexo está em todos os lugares:
Nos vidros da janela,
Nas colheres,
E até no brilho da panela
Que desejou não saber lavar tão bem.
Mais um talento inútil
Daqueles que todo mundo tem.
No reflexo da geladeira pôde ver
Seu corpo torto,
Roupas desalinhadas,
Amassadas...
Um aspecto doentio e feio.
Passa a manteiga no pão e sai dali rapidamente.
Livre de reflexos, na sala, poderia finalmente descansar.
Ligou então a televisão pra se distrair.
Doce ilusão.
Pessoas bonitas à exaustão.
Perdeu a fome.
Se entregou.
O desânimo venceu.
II. A dor da Morte.
Assim, como em todos os outros dias
Seu rosto, reflexo distorcido,
Tornava um inferno sua existência.
Sua alma gritava por clemência.
Aprisionada em um corpo torto,
Coberto de imperfeição.
E diante de toda aquela dor, eis que veio a solução!
Que era um problema também,
Mas na hora do desespero não pensava em mais ninguém.
O remédio que cura a doença,
Respeita o que é feio e deixa tudo em seu lugar,
Mas todos os remédios juntos poderiam lhe ajudar.
Então se medicou e seu mundo girou...
Depois veio
A paz tão desejada,
O alívio daquela alma
Que finalmente se libertava da sina cruel que a Vida lhe dera.
A Morte assistia à cena calada,
Com pesar,
Pela bela alma que levaria do mundo.
E quando o corpo se calou,
A alma gritou em festa!
Bela, jovem, limpa.
Pena que o corpo não percebeu,
Pena que o corpo não lhe agradeceu...
O que havia por dentro, agradava o bom coração,
Mas o que havia por fora, não.
Carregando a alma tão leve, a Morte entristeceu
Levava algo delicado, cedo demais.
Uma lágrima lhe veio,
Porque aquela alma tão bonita habitava um corpo feio.